segunda-feira, 12 de outubro de 2015

[Review] TRON, e a busca do conteúdo perdido

A cultura pop é uma via de mão dupla quando trata de tecnologia de computação. Da mesma forma que recebe informação do mundo real, tentando representar as tecnologias existentes ou extrapolar as futuras, também influencia as pessoas sobre como vão percebe-las ou até mesmo desenvolvê-las.  

No primeiro caso geralmente descreve de modo infeliz, contribuindo para desinformação do público em geral ou caindo em clichés e estereótipos batidos. A prioridade é um produto de fácil consumo e agradável de se ver, não algo verossímil e relevante. Existem honrosas exceções. Mas para o bem ou para o mal, há uma influência da mídia sobre o público, leigo ou técnico, e por isso acho interessante analisar algumas obras de ficção. Já fiz aqui um review do livro Daemon, um exemplo de ficção tecnológica muito bem feita, que eu continuo recomendando, e lamentando não terem lançado a continuação no Brasil (que eu não li). Neste post analiso o filme "TRON - Uma Odisséia Eletrônica", de 1982, tentando extrair suas influências e seu impacto. Porque esse filme em particular? Motivação: eu vi no cinema quando lançado, e achei o filme pretensioso, bobo e decepcionante, apesar das críticas excelentes da imprensa na época. Eu não era profissional de TI, estava muito longe disso, era adolescente e ainda não tinha comprado meu primeiro computador pessoal, o que aconteceu só em 1983, um ano depois. Minha visão era de uma pessoa comum, sem base técnica nenhuma, sem experiência anterior com informática, mesmo porque não havia muita oportunidade para isso. mas com essa discrepância entre a crítica e minha opinião, sempre tive a impressão de não ter entendido alguma coisa. Acontece... Recentemente comprei o DVD que estava em uma promoção, disposto a tirar esta dúvida de uma vez por todas. Que foi que eu perdi?

O Contexto

Não seria justo nem faria sentido analisar o filme como se tivesse sido lançado ontem.  E a década de 80 é muito interessante porque foi a pré-era da computação pessoal para as pessoas. Antes que alguém se revolte, sim computadores pessoais surgiram no fim da década de 70, mas só nas mãos de meia dúzia de geeks que não conseguiam dar um uso prático a eles (embora fosse tão divertido). O público em geral ignorava absolutamente tudo relativo a tecnologia de informação. Não haviam celulares, só pra deixar claro,  muito menos smartphones, e a Internet era só para militares americanos e alguns pesquisadores.  A visão de computador real para o público comum de algo que calculava a folha de pagamento e imprimia extratos de banco. A de computador de ficção era o HAL 9000 de 2001, mas essa pouca gente tinha esta referência. Então qualquer coisa que fosse mostrada era quase sempre a primeira visão que o público tinha sobre computação, e isso independente do nível sócio-cultural, porque ninguém, com ou sem dinheiro, tinha algum gadget prático para comprar. As únicas exceções eram os já citados engenheiros eletrônicos, militares, pesquisadores, geeks de computação. Eu não me enquadrava em nenhuma destas categorias.

Desta época eu tenho lembrança de dois filmes sobre informática. Um deles foi a minha maior referência de tecnologia da época, "Jogos de Guerra", 1983, com Matthew Broderick, e pelo que me entusiasmou eu acho que provavelmente contribuiu para escolha de carreira. É um exemplo raro da tecnologia bem representada, tanto da parte real quanto da parte de extrapolação ficção científica. Já temos tudo ali, em 1983: o acesso por modem a uma rede, hacking, inteligência artificial, as máquinas dominando a situação, e nós humanos nos colocando em situação de perigo, por nossa culpa e falta de visão. É perfeito. Apenas para não deixar de comentar, uma outra referência rápida dos anos 80 é o mesmo Mathew Broderick como Ferris Bueller hackeando o computador da escola para trocar as notas, em "Curtindo a Vida Adoidado", mas este obviamente não era essencialmente sobre TI... O segundo filme sobre computação foi justamente TRON, este inclusive teve muito mais cobertura dos meios de comunicação. E como eu disse antes, fiquei com a impressão de ter perdido algo. Então vendo de novo agora, com calma no DVD, podendo parar e rever cenas, e etc., e mais, com outra perspectiva e mais conhecimento técnico, em que minha visão do filme poderia mudar?

O Roteiro

O roteiro é muito simples. Engenheiro "jovem e brilhante", Flynn, é enganado por outro engenheiro "não tão jovem e não tão brilhante" (termos do filme), que rouba os jogos que o primeiro fez e os registra como seus, conseguindo com isso assumir cargo executivo na empresa e demitindo Flynn. Este então começa uma investigação, por meio de hacking, via acesso remoto não autorizado dos sistemas de empresa, para provar a verdade. Ora, esta é a primeira grande desinformação do filme. Jogos e outros tipos programas são trabalhosos e custosos de se fazer, dificilmente alguém estaria fazendo sozinho e por iniciativa própria dentro de uma empresa. Ele estaria fazendo em uma equipe, muita gente iria saber, com um projeto aprovado por superiores, já que tem um custo.  E no final não seria dono de nada e talvez nem usufruísse dos méritos. Mais improvável ainda seria a promoção a alto executivo por causa disso. Uma ingenuidade, mas vamos relevar e creditar como adaptações para facilitar o entendimento ao publico infanto-juvenil de 1982, afinal, é um filme da Disney. 

Sobre público infantil, a segunda descoberta importante, talvez a maior de todas, TRON no fundo é uma humanização de programas,  da mesma forma que "Cars" é uma humanização dos carros. Simples assim, programas que falam. Afinal, é um filme da Disney. E não é que são programas que tem uma interface humana com o usuário, e por isso falam. São programas triviais mesmo, como folha de pagamento e contabilidade, no interior do computador, conversando entre si, com emoções. Diante disso, a ingenuidade do enredo se explica toda, e no fundo minha dúvida estava apenas em aceitar este fato, é simples mesmo, relaxe e aproveite. Em alguns momentos os diálogos chegam a ser constrangedores, e mesmo para crianças de hoje deixem de fazer sentido e pareçam ridículos. Triste ver como o filme ficou altamente datado. As imagens de telas de comando do sistema são uma aberração para os padrões atuais, caracteres imensos e baixissima resolução, comandos digitados pouco convincentes e senhas fracas, como sempre. Mas tudo isso pode ser relevado também, tendo em vista o momento que que foi lançado.

Não se pode deixar de fazer um comentário sobre uma tecnologia de ponta do filme que contrasta com tudo descrito antes, e este parágrafo é o único do post que contem um pequeno spoiler então quem preferir pode pular para o fim do parágrafo. Pule.... ---> Ou se preferir não, é pouca coisa... É a tecnologia de digitalização de objetos reais, incluindo seres vivos, mantendo todas as suas características. No fundo, é a mesma tecnologia (fictícia, claro... por enquanto) usado no filme "A Mosca", só que ao invés de transportar de um lugar para outro, toda a informação que representa o corpo humano é carregada num computador. Haja espaço de armazenamento. Não sei quantos bytes são, só sei que são muitos. Com certeza não havia este  armazenamento em 1982, nem somando todos os computadores existentes, talvez ainda não exista hoje em dia. A outra diferença do filme A Mosca é que esta informação, além de ser carregada no PC, fica "ativa" dentro dele, quer dizer, a pessoa lá dentro continua pensando, sentindo, falando, etc. Manter uma consciência humana funcionando dentro de um PC, sem um corpo, deve requerer muita capacidade de processamento. Veja que nem em Matrix, que se passa em um futuro distante, os roteiristas foram tão ambiciosos. Em Matrix a consciência ainda "roda" nos cérebros das pessoas, que são plugados por cabos na Matrix. Enfim, é digno de nota este verdadeiro salto de crença de que uma tecnologia dos anos 80  poderia fazer tanto! Não se trata de uma crítica ao filme, apenas uma curiosidade! Depois do seu upload dentro do mundo digital, Flynn recebe a ajuda de um programa de segurança chamado TRON, que eu li em algum lugar é a contração de TRACE ON, que dá nome ao título, e havia sido desenvolvido por um outro engenheiro honesto.
<--- Fim do spoiler :-)

Na verdade nem é bem um spoiler e sim parte do plot, mas como é grande parte da estória, fica sobrando pouco.  Fora isso, algumas falhas nos diálogos e continuidade das cenas prejudicam o entendimento e dão um ar levemente esotérico. Cenas cortadas de repente, com diálogos mal feitos, as coisas não se encaixam bem. A interpretação também praticamente inexiste. O único ator renomado é Jeff Bridges em inicio de carreira, mas não sei se posso culpar os atores, estou falando de detalhes mais básicos, de edição. A produção final era limitada, ruim, e dá pra ver claramente que de lá pra cá a industria cinematográfica melhorou muito, qualquer filme bobinho de hoje tem uma apresentação final melhor. A cena final ilustra tudo isso e a falta geral de conteúdo em geral. Pode ler que não chega a ser um spoiler! Do nada, um helicóptero chegando para encontrar o casal que ajudou Flynn, do alto de uma cobertura de prédio. Nada sobre porque eles estavam ali, nenhum encontro foi marcado antes. A cena anterior foi ele sendo reconstruído no mundo real.  Ele desce, vestindo terno, e os abraça rapidamente, fala umas 3 palavras irrelevantes, que eu já esqueci (vi ontem). Corta. Fim do filme e créditos. Esta cena final foi só para fazer um breve suspense. Quem estaria chegando? E indicar que ele tinha assumido o cargo de CEO da empresa. O suspense falha porque é totalmente previsível, dado o casal que que já está ali, e porque não existem mais personagens amigos. E a conclusão final do filme, de que provando a autoria dos jogos conseguiu readmissão e promoção instantaneamente, totalmente ingênua. Enfim, era isso mesmo, não perdi nada em 1982, missão cumprida. E o que mais se pode extrair do filme?   

Efeitos especiais

Os filmes da Disney são mais sobre o visual e não sobre complexidade de personagens e tramas. O que poderia gerar preocupações pela aquisição da franquia Star Wars, a não ser porque esta última também não prima pela sofisticação de enredo. Fazendo um esforço para lembrar e dar o devido desconto para a época em que foi lançado, pode-se  dizer que os efeitos especiais foram inovadores na época, devem ter sido fascinantes e inspirado uma geração. Muita coisa ali é aparentemente gerada por computador, o que foi pioneirismo. Outras parecem vir de outros meios tradicionais, cenários, figurinos. Mas no fim tudo parece ser digital, e o efeito foi muito bom, é preciso registrar este mérito. É interessante notar que a parte computacional não faz o menor esforço para esconder seus polígonos, já que isso é que a definia! Justamente o contrário do que se faz hoje. Por outro lado, talvez eles não conseguissem, mesmo que tentassem, mas para este filme, também não seria necessário. De modo geral, os efeitos e gráficos são o ponto positivo do filme.

Conclusão

Não dá para recomendar este filme hoje em dia, a não ser para quem busca a nostalgia dos anos 80 ou é especialista em efeitos especiais antigos. Valeu a pena para mim, pelo primeiro motivo, e por matar a curiosidade sobre o roteiro que falei na introdução. É um filme infantil, e mesmo sendo colocado neste contexto, é meio simplório, ainda com um título pretensioso ("odisseia"). No imdb está levando 6,8, eu daria menos, mesmo considerando que a parte gráfica pode ter sido uma inovação para a época.

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