Não é a primeira vez que eu toco neste tópico do fim dos desktops montados. Alguém até poderia achar, equivocadamente, que torço por isso. Na realidade, filosoficamente, não "torço" por nada, nem para o bem nem para o mal. É o estoicismo. Além disso, muito ao contrário, eu amo os PCs montados e gostaria que eles perdurassem para sempre. Venho montando PCs para uso pessoal desde 1987 (PC XT), não há outro item de consumo que me interesse da mesma forma que partes de PC. E justamente por isso que acompanho de perto os movimentos deste mercado.
Não são boas notícias, mas acho que a análise é interessante para quem não gosta de ser pego de surpresa.
E nem precisa acompanhar tão de perto pra saber o que esta acontecendo com as placas de vídeo para PC atualmente. Uma combinação de boom de mineração de criptomoedas, pandemia de covid-19 e falta aguda de semicondutores para tudo, inclusive veículos e indústrias de consumo em geral... Mas o resultado para o consumidor de placas de vídeo para jogos é mais dramático. O preço subiu a um patamar que eu considero absurdo. Hoje eu não compraria nem uma placa de vídeo intermediária, digamos, a série *60 da nVidia (3060, 3060ti, ou mesmo a geração anterior, 2060). Tenho uma GTX 1080 comprada lá em 2016, que por ser uma placa top na época ainda atende depois de tanto tempo, embora eu já tenha interesse em experimentar novas tecnologias não incluídas nela, como Ray Tracing. Em uma época "normal" eu já teria feito um upgrade desde o ano passado. Mas pelos preços atuais simplesmente não se justifica em um item supérfluo. Eu tenho dinheiro para comprar, uma, até várias... mas simplesmente não acho razoável. O preço está, digamos, umas três vezes o que eu acho o razoável. Isso é subjetivo, mas para mim seria loucura comprar GPU assim. Se todas as placas que eu tenho queimassem e não sobrasse nenhuma para o meu PC principal que não tem vídeo integrado (AMD Ryzen 7), a muito contragosto compraria alguma coisa mais de entrada para dar vídeo. E do jeito que vai, temo que até isso acabe sendo muito caro num futuro próximo.
Talvez quem esteja neste mercado de hardware de PC profissionalmente (e tem decisões mais sérias a tomar sobre abandonar tudo), como um jornalista ou influenciador, não perceba a gravidade da situação. Eu, que compro GPUs literalmente a décadas, mas apenas para uso pessoal e por hobby, e quem sabe muitos outros consumidores em situação similar, estou prestes a desistir. Eu sinceramente me imagino em situação parecida de grande parte deste público. Particularmente, nesse exato momento não preciso fazer nada, mas e daqui a algum tempo? Na realidade eu não culpo mineradores, o mercado é que se mostra muito frágil. É só o preço de critptomoedas subir que mineradores pagarão qualquer valor que dê retorno, lucro, depois de certo tempo. Mas os consumidores "normais" de PC não. Pelo menos os que não são muito ricos e/ou com muito pouco bom senso, o famoso "mais dinheiro do que juízo". Com isso o mercado de PCs para jogos deve encolher, supondo que na população exista uma quantidade limitada de ricos (os sem juízo até sobram).
E aí que vem outro ponto, o mercado de PCs montados atualmente se baseia muito em PCs para jogos ou de alta performance. Uma minoria monta por outros motivos, talvez uma workstation profissional ou mais raramente ainda, um PC de escritório economicamente vantajoso. Lá no passado, em torno dos anos 2000, PC montado era opção mais barata a um PC equivalente de marca, mas hoje não. Até existem placas mãe de entrada que poderiam ser usadas para isso, mas somando tudo, PCs de marca ou mesmo notebooks são mais vantajosos neste mercado. O "afegão médio", que não seja gamer, está comprando notebooks faz tempo. E muitos desses, que são gamers, compram consoles para suprir jogos e o resto fazem em notebooks, tablets e até smartphones. Sobram os entusiastas, aqueles que jogam ou fazem alguma outra coisa profissional no qual performance faz diferença e sairia caro demais em notebooks... até o momento, porque sim, fica pior.
Um dos meus argumentos pró desktop sempre foi justamente esse, que pelo mesmo custo era muito mais vantajoso montar um desktop, geralmente reaproveitando vários componentes, como gabinete, fonte, teclado, etc, e obter mais poder de CPU, GPU e memória, e ainda flexibilidade para upgrades. Mas hoje, por causa do aumento dos preços de GPUs, existe uma inversão, um notebook com GPU está mais barato que um desktop equivalente montado. Racionalmente vai ficando difícil justificar.
Na realidade, mesmo ignorando o preço (no caso do rico sem bom senso) também vai ser preciso contar com a sorte para conseguir adquirir uma placa de vídeo boa, já que os estoques são baixos, e mesmo de notebooks com a GPUs melhores, que também estão raros e os preços já começam a subir.
No lado oposto, como fatores que poderiam amenizar isso, listaria: (1) o fim, em algum momento, espero, da pandemia; (2) a mudança no Ethereum, a criptomodeda mais rentável hoje em dia e que é minerada por GPU, de PoW (proof of work) para PoS (proof of stake), que não vai requerer o poder de processamento de GPUs; (3) que neste exato momento (maio de 2021) as cotações de criptomoedas estão em baixa, e isso pode ser uma tendência mais duradoura; (4) e as iniciativas da nVidia de bloquear a mineração nas placas para consumidor final, até agora sem sucesso, mas supondo que alguma delas dê o resultado esperado no futuro. Mas ainda assim, mesmo que estes fatores façam os preços de GPU normalizarem, ficou evidente a fragilidade no equilíbrio de mercado. Uma questão central é que consumidores finais "gamers" de placas de vídeo não são prioridade para as fabricantes de semicondutores, que possuem recursos finitos. Eles perderão para montadoras de veículos, mineradores, integradores de dispositivos prontos, etc., dispostos a pagar muito mais e consumir volumes maiores.
E, além disso, vejo com cada vez mais simpatia os serviços de streaming de jogos em nuvem, como o Geforce Now, na qual as GPUs vão estar em datacenters e não no dispositivo local. Não é a solução para tudo, para todos os cenários, e existe a questão da latência, uma realidade física da qual não há como escapar, apenas mitigar. Mas se os servidores estivem perto (na mesma cidade, ou bairro), as conexões forem boas, e para jogos single player, quem sabe? Se antes eu já descartava de imediato por causa da latência, agora já começo a procurar as condições de viabilidade de uso de streaming de jogos. É mantendo a linha racional deste artigo, também considero um uso mais racional de um recurso caro, já que se a minha GPU pessoal não fica em uso 24x7, no datacenter uma GPU ociosa poderia ser alocada por demanda para algum usuário a qualquer momento, otimizando seu uso. E o usuário pagaria uma mensalidade, enquanto interessar, sem se preocupar com configuração do PC para suportar a GPU (capacidade da fonte, gargalos nos outros componentes), upgrade, revenda, etc. Parece promissor.
Mas finalmente, voltando ao desktop montado: SE esta hipótese da placa de vídeo de alta performance para PC se tornar inviável se concretizar e SE os preços de placas de vídeo não baixarem ao ponto de um público suficiente poder (ou querer) comprar, se quem ainda quer jogar algo migrar de vez para console ou streaming... o que ainda justifica montar um PC? Eu provavelmente ainda montaria, por outros motivos, mas aqui, ao contrário de antes, eu já eu não me vejo como representante de um grupo significativo.
A minha previsão atual é bem pessimista. Pode ser o momento da virada para o fim dos desktops montados. Ou pode ser que o mercado de GPUs volte ao normal... Mas uma queda de preços no varejo até o valor que eu considero razoável eu acho muito improvável. É um momento crítico para se acompanhar com cuidado. No pior caso, tudo dando errado, eu prevejo dois ou três anos para uma mudança visível e abandono da cultura do PC. Enquanto as unidades de GPUs instaladas atuais durarem não há motivo para desespero. Depois disso ou a oferta começa a suprir a demanda, ou esta vai ser redirecionada para outro lugar.
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